Em plena época de carnaval, onde em boa parte do país é só festa, vamos falar de outra face de nossa população, sobretudo do grande número de pessoas que integram o mundo jurídico-processual e compõem o crescente fluxo de processos judiciais.
É cediço que nossa vivência em sociedade é pautada em direitos e deveres, uma vez que é atribuída ao Estado a titularidade para nos assegurar e efetivar os direitos fundamentais postos, em primeira mão, na Constituição Federal. No bojo de tais direitos, encontramos o direito à ação, o qual possibilita a busca por uma tutela jurisdicional, ou seja, a concretização do interesse que não foi alcançado pela via amigável, seja em uma relação envolvendo pessoas físicas ou jurídicas.
Ao tempo que se busca na justiça pretensões ou direitos, a efetivação destes nem sempre é célere, e são inúmeras as causas que permeiam tal realidade, conforme abordaremos.
Quando exercemos nosso direito de ação e buscamos junto ao Poder Judiciário a solução de um conflito, incumbimos ao Estado, na pessoa do Juiz, a função de dizer o direito naquele caso concreto, assim, o meio pelo qual a chamada tutela será entregue é o processo judicial, este, com o objetivo de ter uma duração razoável, isto é, ser julgado dentro de um período em que tenha efetividade no direito do vencedor.
No entanto, quando o tempo se torna inimigo das partes no processo, impulsionado e julgado em ritmo mais lento que o esperado, sendo a demora um problema a mais na vida das pessoas, começa-se então elencar as inúmeras causas deste cenário.
Em primeiro lugar, importante dizer que, nos últimos tempos, o número de demandas judiciais, de um modo geral, aumentou consideravelmente, a estrutura judicial, por outro lado, não acompanhou este crescimento, está aí um dos impasses, eis que faltam servidores para dar conta de tanto trabalho.
Outras situações giram ao redor da demora no término de alguns processos, tais como inúmeros recursos possíveis no ordenamento, ineficiente atuação do executivo, aliás, por ironia, o Estado é um dos grandes “clientes” do Judiciário, levando a busca em juízo por direitos fundamentais dos cidadãos como saúde e educação.
Pontualmente, imperioso expor aqui uma das grandes causas do gigantesco número de processos judiciais, concentrada no fato de que muitas das pretensões levadas à justiça não dependeriam da intervenção do Estado.
O fato é que, não obstante o direito de ação e o acesso à justiça, o que se presencia cotidianamente é que as pessoas estão tendo uma enorme dificuldade de resolverem por conta própria questões muitas vezes simples, invocando o juiz a intervir nas relações diárias e corriqueiras.
Viver em sociedade não é tão simples, as idéias são diferentes, existem conflitos de interesses e nem sempre quando ocorre um desentendimento há um bom senso, um equilíbrio para se chegar a uma resolução pacífica! Deste modo, no âmbito cível, relações diárias entre vizinhos, parentes, clientes, credores, etc., são postas em juízo, para que o juiz então dê a chancela final, satisfazendo ou não a pretensão do autor.
A própria correria de todos os dias, o ritmo acelerado, faz com que as pessoas desenvolvam a impaciência, a intolerância nos vários tipos de relacionamentos, fato este que leva ao aumento de conflitos, sejam sociais, familiares, no trabalho, consumeristas, enfim, o diálogo e a busca amigável por ambos os lados me parece que está se distanciando, de maneira que o processo ainda é visto como solução.
Em não havendo entendimento pelas próprias partes, na busca de uma fuga da demora de um processo, a sistemática jurídica oferta meios alternativos para a resolução de conflitos, já presentes em leis específicas, mas exaltado pelo Código de Processo Civil atual, sendo elas a conciliação, mediação e a arbitragem, institutos estes que contam com a presença de um terceiro, que não o juiz, para intermediar e buscar uma resolução rápida para o problema enfrentado, objetivando desobstruir a Justiça.
Como dito, apesar de ser de direito de todos acessar a Justiça, há que se colocar em mente que a cultura de levar “quase tudo” ao juiz deveria ser substituída, sempre que possível, pela pacificação, meios amigáveis de solucionar conflitos, pois no fim, o objetivo maior de um processo judicial é justamente este: o alcance da paz social, assegurando a segurança jurídica.
Por Márcia Ferreira Alves Pereira, graduada em Direito pela Unoesc de Xanxerê. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Uninter e pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Damásio Educacional. Atualmente, é residente do Ministério Público, na Promotoria de Justiça da comarca de Ponte Serrada.
Fonte: Oeste Mais – 26/02/2020 10:57
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