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Entrou em vigor em 18 de março de 2016, a Lei 13.105/2015 que institui o novo Código de Processo Civil, com as alterações introduzidas pela Lei 13.256 de 04.02. 2016.
O novo Código inaugura um novo paradigma no sistema processual brasileiro, em substituição ao velho Código Buzaid, de 1973 que não mais atendia as demandas massificadas e de grande complexidade, decorrentes de uma evolução social, jurídica e econômica, advinda com a globalização econômica e com as novas e cada vez mais sofisticadas tecnologias, especialmente no campo das comunicações.
Incorporando essas conquistas, o novo Código, que tem como base ideológica o respeito os direitos fundamentais e as liberdades públicas, logo nos dez primeiros artigos recomenda que na sua interpretação, o juiz deve levar em consideração “os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil”, o que significa afirmar que os grandes princípios como o do Estado Democrático de Direito, do Devido Processo Legal que tem no contraditório e na ampla defesa, são sua base fundamental.
Rompe-se, assim, com a equivocada e velha ideia de que a Lei seria o principal se não o único fundamento para a resolução dos conflitos, que de fato, jamais foi.
Além dessa importante inovação, o novo Código sinaliza com a ideia de tribunal de múltiplas portas, ao valorizar os métodos autocompositivos, como integrativos da função da função jurisdicional, como a conciliação, a mediação e a arbitragem (artigos 334), o que merece aplausos da sociedade, que precisa aprender a resolver suas divergências pela negociação, especialmente aquelas que envolvam relações continuativas que necessitam ser preservadas e que, em regra, a solução adjudicada por meio de uma sentença quase sempre não consegue, pois não consegue dimensionar o conflito sociológico que subjaz à lide posta ao conhecimento do juiz.
Mas talvez a mais importante modificação que o Código introduz no sistema processual civil seja aquela ligada ao regime do precedente judicial, prevalecente no sistema da common law, originário do direito anglo-saxão, no qual no modelo de distribuição de justiça prepondera a visão de pacificação dos litigantes e a decisão judicial é tomada à luz de um caso concreto e cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para futuros julgamentos em casos análogos, portanto, com efeito vinculativo.
Essa força vinculativa do precedente está ligada a valores essenciais de um Estado democrático de direito como a racionalidade e a legitimidade das decisões judiciais, a segurança jurídica e a isonomia, constituindo o precedente elemento de suma importância para a estabilidade e harmonia do sistema jurídico e, por conseguinte, para as decisões judiciais.
Passa, assim, o precedente a constituir fonte do direito, à medida que a moderna dogmática jurídica reconhece ao Poder Judiciário o papel de co-criador do direito.
Nesse sentido, Mauro Cappelleti em obra histórica (Juízes Lagisladores?, Trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 27 lembra que “Do ponto de vista substancial, portanto, não é diversa a “natureza” dos dois processos, o legislativo e jurisdicional. Ambos constituem processos de criação do direito”.
Nesse novo sistema adotado pelo Código, os Tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência de modo a mantê-la estável. íntegra e coerente a fim de se evitar decisões divergentes a respeito do mesmo tema e ao mesmo tempo se orienta os Juízes trazendo estabilidade e segurança nas decisões judiciais e não apenas nelas, mas também nas relações entre particulares.
Nessa perspectiva, as decisões proferidas pelos Tribunais sobre determinado tema, além de serem vinculativas para os membros do próprio Tribunal, obrigam também os Juízes da primeira instância (art. 489, inciso VI do novo Código) que deverão seguir a orientação adotada pelo precedente, salvo quando o caso examinado for distinto, hipótese em que terá de justificar fundamentadamente, sob pena de nulidade da sentença (art. 489, § 1º, incisos V e VI).
Com isso, além de se evitar decisões divergentes sobre a mesma matéria tanto no âmbito do Tribunal como na primeira instância, há possibilidade de que elas sejam proferidas de forma mais célere com maior aptidão para se tornarem efetivas, cumprindo-se assim, pelo menos no campo teórico, o princípio da razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição de 1988).
Entretanto, os fatos da realidade da vida e as conquistas da ciência e da tecnologia são dinâmicos e sempre estão à frente do legislador, especialmente numa sociedade de conflitos massificados, tecnologicamente avançada e de rápidas mudanças no contexto social.
Essa realidade obriga, não raro, a mudanças que precisam ser compreendidas e absorvidas pelo Direito, embora este sempre esteja atrás dos fatos, inclusive no campo instrumental.
Desse modo, o precedente pode ser superado pela técnica do overruling, por meio da qual perde a força vinculante e é substituído por outro em face de um juízo negativo sobre a sua ratio decidendi, fundada em substanciais razões ou de mudanças sociais e jurídicas para abandoná-lo como, por exemplo, alterações legislativas, alteração do modelo econômico, conquistas tecnológicas, entre outras.
Ademais, pode deixar de ser aplicado quando a situação fática do caso concreto a ser julgado seja diversa.
Nessa hipótese, o juiz não está obrigado a segui-lo, devendo, todavia, demonstrar na decisão, de forma fundamentada, a distinção entre a tese nele acolhida e o caso a ser apreciado, fazendo assim, o que a doutrina norte-americana denomina de distinshing (arts. 489, inciso VI e 1037, §§ 9º e seguintes do novo Código). Porém, presente a mesma situação fática ou as mesmas circunstâncias e enquanto não superado pela técnica do overruling, não se admite possa haver decisões divergentes sobre a mesma matéria no âmbito do mesmo Tribunal.
Pretende-se com esse novo modelo garantir a segurança jurídica nas relações, integridade e coerência da jurisprudência do Tribunal e mais, se dá consequência prática ao princípio-garantia da igualdade.
Como lembra Guilherme Guilherme Marinoni (A Força dos Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 227), “a igualdade é um elemento indissociável do Estado Democrático de Direito”. Por conseguinte, “tanto o Estado quanto os particulares estão submetidos ao princípio da igualdade. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário sofrem a mesma incidência do princípio”.
No âmbito do Judiciário, no nosso modo de ver, a incidência do princípio da igualdade se mostra evidente pela necessidade de se dá tratamento igualitário para as situações iguais que são submetidas a julgamento, não sendo admissível que sejam tratadas de forma diferenciada, pois além de injusto gera insegurança jurídica.
Desse modo, a uniformização da jurisprudência por meio do precedente judicial deve ser fonte de certeza e de segurança, mas também de tratamento igualitário para situações iguais, garantia que decorre do macro princípio do Estado Democrático de Direito, que tem a igualdade e a segurança como pilares (artigo 5º da Constituição da República).
Mas para que o novo sistema possa produzir os almejados efeitos, necessária a mudança de posturas e de mentalidade de todos os envolvidos com o sistema de distribuição de justiça e própria sociedade, de modo a compreender que muitos conflitos deveriam ser compostos por meio de mecanismos negociais como a mediação e a conciliação, em boa hora valorizados pelo novo Código.
Apenas os conflitos que envolvam questões relevantes sob a perspectiva social, econômica e jurídica merecem ser compostos por meio de decisão adjudicada pelo Poder Judiciário.
Precisamos, assim, reeducar a sociedade de modo a conscientizá-la que é ela quem deve ser a protagonista da resolução de seus conflitos por meio dos mecanismos de negociação e conciliação e que o processo judicial é apenas mais um desses instrumentos não o único como infelizmente ainda pensam alguns.
E nessa tarefa os sindicatos, as associações, os advogados e outros atores têm um relevante papel a desempenhar, mas não apenas estes, também as faculdades e universidades de Direito que devem preparar os futuros profissionais do Direito para essa nova e inevitável realidade, à medida que o Judiciário não consegue julgar, pelo menos no tempo desejável, os mais de cem milhões de processos que são apresentados anualmente a julgamento.
É preciso assim repensar as formas de composição de conflitos e reeducar a sociedade para o diálogo e para a negociação. É isso que o novo Código pretende. Oxalá possa alcançar esse desiderato.
Por Francisco das C. Lima Filho, mestre e doutor em Direito Social (UCLM – Espanha). Mestre em Direito (UNB). Desembargador do Trabalho do TRT da 24ª Região. Professor em Direito Processual do Trabalho – pós-graduação (UCDB).
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