Não é forçoso rememorar que a reforma tributária (Emenda Constitucional 132/2023) aprovada pretende simplificar o sistema tributário brasileiro, desburocratizando a arrecadação, a aplicação e o entendimento da legislação tributária, que é alvo de infinitas discussões entre os profissionais que atuam na área, tendo em vista o elevado número de normas e exigência no cumprimento de obrigações tributárias acessórias por parte do contribuinte.
Nesse contexto, o Código de Processo Civil, que também visa reduzir e simplificar a resolução de litígios, traz previsões acerca do sistema multiportas, que consiste em um modelo adequado para solução de conflitos, prevendo a possibilidade de diversas formas de resolução dos litígios, como a conciliação, a mediação e a arbitragem (esta, uma heterocomposição), tendo como principal objetivo mitigar os efeitos do acervo exacerbado do Poder Judiciário, bem como promover a resolução mais célere entre as partes.
Ancorada no sistema multiportas do Código de Processo Civil, foi publicada a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), dispondo sobre os preceitos gerais aplicáveis a diversas áreas do Direito, incluindo a tributária, e trazendo a possibilidade de utilização da mediação para tratar de direitos disponíveis e indisponíveis que admitam transação, exigindo, quanto ao direito indisponível, a atuação do Ministério Público para acompanhamento do caso (artigo 3º, § 2º, Lei 13.140/2015 [1]).
Projetos de lei complementar e a audiência pública da CTI
Por essa razão, tramita no Senado dois projetos de lei complementar (PLP 124/2022 e PLP 125/2022) que preveem, expressamente, não só o uso preferencial de formas alternativas de resolução de conflitos, mas a utilização dos mecanismos de resolução de conflitos como princípio norteador do contencioso tributário brasileiro (artigo 4º, II, PLC 125/2022) [2].
A mediação, que pode ocorrer judicialmente ou extrajudicialmente, consiste em um método de solução de conflitos que visa a recuperação de receitas não recolhidas espontaneamente pelos contribuintes devedores ou ao reconhecimento de desoneração total ou parcial da dívida.
Apesar dos supracitados projetos de lei ainda não terem sido aprovados pelo Congresso Nacional, é importante salientar que, no último dia 20/2/2024, em audiência pública da Comissão Temporária Interna (CTI) destinada a discutir os projetos que modernizam os processos tributários, os especialistas participantes destacaram a importância da adoção de mecanismos alternativos para a solução pacífica de conflitos entre o Fisco e os contribuintes, sobretudo no que tange a utilização da mediação, que vem se mostrado como medida alternativa e eficaz para promover a desjudicialização, a efetiva arrecadação pelo Fisco e a redução do estoque de processos tributários.
Nos termos das discussões abordadas pelo advogado Gustavo Brigagão, durante a audiência pública da CTI, a introdução na legislação processual tributária dos meios alternativos de resolução de conflitos busca, não só aproximar a relação entre o contribuinte e o Fisco, mas quebrar o paradigma de que o interesse público arrecadatório exista de forma sobreposta ao interesse do contribuinte, considerando que é o próprio Fisco o maior interessado em promover as soluções alternativas de solução de conflitos que geram efetiva arrecadação.
Referência
Por essa razão, como referência eficaz acerca da utilização da mediação na solução dos litígios, cita-se o município de Porto Alegre [3], que foi a primeira capital do Brasil a instaurar o projeto de mediação na área tributária (PL 033/21), por meio do qual discute-se sobre a qualificação de fatos, interpretação das normas tributárias, cumprimento de obrigações e deveres tributários.
Segundo dados divulgados pela Receita Municipal de Porto Alegre, desde a instauração do projeto, ainda na fase da cobrança administrativa foram realizadas mediações com valor discutido de R$ 152 milhões. Já na fase judicial, a Procuradoria do Município realizou acordos que envolveram valores de R$ 80 milhões. Ou seja, o resultado favorável do projeto instaurado na capital gaúcha deve servir de modelo a seguir em todo o território nacional.
Nesse contexto, os PLPs em tramitação acerca do tema delegam ao ministro da Economia e à AGU a competência para regulamentar os atos nos quais a mediação pode ser utilizada, ressaltando-se, desde já que é de extrema importância que o Poder Legislativo traga hipóteses taxativas acerca das matérias que poderão ser objeto de mediação, para que não haja discricionaridade do Poder Executivo para delimitar quais as hipóteses podem ser objeto de mediação.
Por fim, vale salientar que diversos países já adotam a mediação como meio alternativo de resolução de conflitos, a fim de reduzir o acervo processual, como a Alemanha, Austrália, Estados Unidos e Portugal [4]. Resta agora, ao Brasil, por meio da reforma tributária, regulamentar, incentivar e promover a adoção dessa medida, que é tão eficaz tanto para o Estado, quanto para os contribuintes.

[1] Art. 3º Pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação.
§2º O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, exigida a oitiva do Ministério Público.
[2] Art. 4° As administrações tributárias submetem-se, além dos princípios gerais que regem a administração pública, aos critérios de:
II – redução da litigiosidade, inclusive pelo uso preferencial de formas alternativas de resolução de conflitos, nos termos da Lei;
[3] https://prefeitura.poa.br/smf/noticias/projeto-de-mediacao-tributaria-completa-um-ano-em-porto-alegre#:~:text=Porto%20Alegre%20foi%20a%20primeira,tributos%20de%20compet%C3%AAncia%20do%20munic%C3%ADpio.
[4] Fonte: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO)
Por Ana Claudia Borges de Oliveira, conselheira titular da 2ª Seção do Carf, presidente da Aconcarf, especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas (IDP), mestre em Direito Tributário (IBDT), pesquisadora dos grupos Mulheres, Tributação e Políticas Públicas (USP), Tributação sobre Operações Envolvendo Criptoativos (USP), Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP) e Tributação do Agronegócio no Brasil e no Direito Comparado (IBDT) e professora convidada de Direito Tributário na UnB, PUC-SP e IBDT. E Clara Barbosa, advogada tributarista com atuação em Contencioso Judicial e Administrativo, pós-graduada em Direito Tributário e Contabilidade Tributária pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) e graduanda em Ciências Contábeis pela Fipecafi e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT Jovem.
Fonte: Conjur, 16 de abril de 2024, 21h36
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