O novo Código de Processo Civil (“CPC/15”) alterou sensivelmente o sistema de produção antecipada de provas, dando nova roupagem ao instituto.
Na vigência do CPC/73 (arts. 846 a 851), a produção antecipada da prova tinha natureza eminentemente cautelar, estando, invariavelmente, atrelada ao “fundado receio” de que a prova se tornasse impossível ou de difícil verificação no futuro.[1] Era a hipótese, por exemplo, da testemunha idosa ou com moléstia grave ou, ainda, do prédio em ruínas, situações que justificavam a antecipação da produção da prova.
O CPC/15 ampliou as hipóteses da produção antecipada de prova, prestigiando, de certa forma, a autocomposição das partes, o estímulo aos métodos adequados de resolução de conflitos (art. 3º, §§ 2º e 3º) e a racionalização da prestação jurisdicional (arts. 4º, 6º e 8º).
Feita essa breve apresentação – e sobretudo em razão das dimensões reduzidas deste artigo –, lançamos desde logo a seguinte provocação: havendo convenção de arbitragem pactuada, pode uma das partes propor uma produção antecipada de prova no Judiciário? Tal conduta feriria a jurisdição arbitral e a competência do árbitro?
Antes de avançar, é preciso diferenciar as situações. Havendo na convenção de arbitragem previsão expressa a respeito da matéria (possibilidade de produção antecipada de prova no Judiciário), não há qualquer dúvida quanto ao cabimento da medida. Afinal, as próprias partes, à luz da autonomia da vontade, pactuaram tal sistemática, sendo certo que o rito a ser observado será aquele previsto na lei processual, diante de sua aplicação subsidiária, no que couber.
Da mesma forma, se houver qualquer urgência na produção da prova e o juízo arbitral ainda não tiver sido instalado (não havendo, ainda, previsão da figura do árbitro de emergência), não temos dúvida em afirmar que a prova poderá ser produzida no âmbito do Judiciário. Nessa hipótese, diante da natureza cautelar da medida, além do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, pode-se invocar o artigo 22-A da Lei nº 9.307/96.[2]
A questão se torna mais delicada quando não existe nenhum ajuste específico na convenção de arbitragem e não se trata de uma produção antecipada de prova de natureza cautelar, mas sim daquelas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381 do CPC/15.
Em tais casos, pode haver alguma controvérsia quanto ao cabimento da produção antecipada de prova, diante da eleição do Juízo Arbitral (art. 42 do CPC/15) e da competência do árbitro para deferir as provas necessárias (art. 22 da Lei nº 9.307/96).
Entendemos, porém, que o ajuizamento da produção antecipada de prova é perfeitamente possível e não viola a jurisdição arbitral.
Primeiro, porque, no procedimento em questão, o juiz não se pronunciará “sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas” (art. 382, § 2º). Ou seja, não há vencido e vencedores, e tampouco a formação de coisa julgada. Trata-se, na verdade, de uma atividade que faz lembrar o disclosure do direito norte-americano. Ademais, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário (art. 382, § 4º), o que confirma a intenção do legislador de não burocratizar o procedimento.
Segundo, em razão do caráter dúplice da produção antecipada de prova, capaz de beneficiar tanto o requerente como o requerido. Com efeito, quando o juiz defere a medida, não é possível saber, de antemão, quem irá se beneficiar da respectiva prova. Significa dizer que, ao menos neste momento processual, não existe prejuízo para qualquer das partes e não há que se falar em desequilíbrio, desigualdade ou ausência de paridade de armas.[3]
Terceiro, porque a prova a ser produzida de forma antecipada pode ter um escopo maior do que aquele objeto da convenção arbitral e envolver outras pessoas interessadas (art. 382, § 1º), corroborando a utilidade da medida.
Quarto, e último, porque, sob o prisma da análise econômica do direito e da eficiência processual – norma estruturante do processo civil (art. 8º do CPC/15) –, a medida é fundamental para reduzir custos. Imagine-se, por exemplo, uma convenção arbitral em que o objeto do conflito seja a exploração de jazidas de minério de ferro em determinada região do país. Suponhamos que não haja discussão quanto à exploração em si, mas as partes divirjam quanto ao território objeto da atividade, com acusação de invasão de área alheia.
Nessa hipótese, uma perícia prévia poderia facilmente atestar se teria havido a alegada invasão ou não, permitindo, assim, eventual autocomposição – inclusive através de mediação extrajudicial –, ou até mesmo evitar o ajuizamento do processo arbitral (suponhamos que não se constate tal invasão), tornando despicienda a contratação de novos advogados, árbitros e pareceres, sem falar nos elevados custos da Câmara Arbitral escolhida.
É claro que, sendo ajuizado o processo arbitral, o árbitro, a princípio, não estará vinculado àquela prova produzida no Judiciário, podendo determinar novamente a sua realização, se assim entender (art. 22 da Lei nº 9.307/96), mas, no mínimo, o material produzido servirá como prova emprestada (art. 372 do CPC/15).
Em resumo, entendemos que a produção antecipada de prova pode ser um importante elemento de pacificação social ou, na pior das hipóteses, de racionalização da prestação jurisdicional, otimizando e maximizando a eficiência processual. Mesmo havendo convenção de arbitragem silente quanto a tal possibilidade, consideramos que qualquer das partes pode ajuizar a medida, sem que isso viole a jurisdição arbitral e a competência do árbitro.
[1] Ainda na vigência do CPC/73, Flavio Yarshell sustentava a possibilidade de antecipação da prova mesmo fora das hipóteses de urgência. YARSHELL, Flavio Luiz. Antecipação da Prova sem o Requisito da Urgência e Direito Autônomo à Prova. São Paulo: Malheiros, 2009.
[2] O STJ já decidiu que o Poder Judiciário é competente para conceder medidas urgentes, sejam elas de natureza cautelar ou antecipatória, em relação ao conflito objeto da convenção arbitra. REsp 1.297.974, CC-AgRg 116.395, CC 111.230 e REsp 1.325.847.
[3] As provas pertencem ao processo (princípio da comunhão ou solidariedade das provas) e se destinam não apenas ao juiz, mas também aos próprios sujeitos processuais, beneficiando ou prejudicando qualquer das partes, independentemente de quem as tenha produzido, podendo, eventualmente, ser utilizadas em outros processos (prova emprestada). MAZZOLA, Marcelo. A Cooperação e operosidade. A inobservância dodever de colaboração pelo juiz como fundamento autônomo de impugnação. Dissertação de Mestrado em Direito Processual, Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Por Marcelo Mazzola, advogado e sócio de Dannemann Siemsen Advogados. Mestre em Direito Processual pela UERJ e Vice-Presidente de Propriedade Intelectual do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. E Rodrigo de Assis Torres, advogado e sócio de Dannemann Siemsen Advogados. Especialista em Processo Civil pela PUC-RJ e FGV
Fonte: Jota – 16 novembro de 2017 – 14h27
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