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O advogado Roberto Pasqualin vive meses agitados. Acompanhou de perto a reforma da Lei de Arbitragem e a redação do texto que pela primeira vez regulou a mediação no país, atento a cada passo legislativo ou presidencial. Agora que as duas normas já foram sancionadas, o trabalho continua no Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), entidade que preside e tem feito uma série de eventos pelo país propagando medidas para resolver conflitos sem passar pelo Judiciário.
Sócio sênior do escritório PLKC Advogados, ele integra o Conselho Diretor do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) e atua ainda como árbitro em centros da International Chamber of Commerce (ICC), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Amcham (American Chamber of Commerce for Brazil), entre outras entidades.
É por isso que Pasqualin discorda de quem acredita que a arbitragem e a mediação podem reduzir o campo profissional dos advogados. Para ele, a área cria novas oportunidades para um trabalho “mais sofisticado”, sem exigir a correria em “porta de cartório”. A assessoria jurídica continuará sendo fundamental para as partes, afirma, e profissionais de Direito têm grande potencial para se tornar mediadores ou árbitros, como ele.
Talvez as universidades ainda não tenham se atentado a isso. “Processo Civil o estudante tem desde o primeiro ano até o quarto ou quinto ano. Que ensina o quê? Litigar, ganhar do adversário. A arbitragem ainda é uma criança no Brasil. A mediação é um bebê, está muito incipiente.”
Essa infância ganha agora empurrão com as leis 13.239 e 13.140/2015. Além do famoso discurso de desafogar o Judiciário, Pasqualin aponta uma série de benefícios para as partes, de decisões mais rápidas à confidencialidade do processo. Em certas ocasiões, avalia, a simples presença de um mediador ajuda as partes a se entenderem sobre questões contratuais que não ficaram muito claras na hora de brindar com champanhe e fechar o negócio.
O presidente do Conima critica, porém, vetos do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), que retiraram da Lei de Arbitragem as relações trabalhistas e de consumo. Segundo ele, o projeto aprovado no Congresso colocava o poder de decidir nas mãos do empregado e do consumidor. O advogado também aguarda nova discussão para liberar esse meio alternativo na área tributária.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, ele explica em linhas gerais como funciona a mediação — uma atividade que beira a Psicologia — e a arbitragem, que não permite recurso, ainda engatinha numa jurisprudência própria e ganhou agora uma espécie de ajuda do Judiciário para conduzir testemunhas de forma coercitiva.
Leia a entrevista:
ConJur — Para o leitor que não está acostumado com o tema, é possível explicar em poucas palavras quando vale procurar a mediação ou a arbitragem? Roberto Pasqualin — São formas de resolver conflitos fora do Judiciário entre pessoas e entre empresas, agora também entre pessoas e empresas da Administração Pública. E por que fora do Judiciário? Porque o Judiciário hoje está entupido de processos, tem mais de 100 milhões de processos — segundo a última contagem do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] —, e as soluções das controvérsias que são levadas ao Judiciário demoram a sair, obviamente pelo acúmulo de processos, e não porque juízes, desembargadores ou ministros de tribunais superiores sejam lentos na solução. Não é por desídia ou negligência, é pela desumanidade desse volume impressionante de causas. A arbitragem e a mediação são maneiras de você abreviar a solução com segurança jurídica plena, de forma rápida.
ConJur — Quanto tempo pode ser considerado como rápido para resolver um processo? Roberto Pasqualin — Um ano para a arbitragem, talvez um ano e meio. Na mediação, a nova lei aprovada fala em 60 dias. Aí você pergunta: quando devo escolher o caminho a seguir? Algumas questões só o Judiciário pode resolver, é uma imposição da legislação: relações de consumo e trabalhistas, matérias que tratem de direitos indisponíveis… Até hoje não se aceita que conflito tributário se resolva por arbitragem, mediação menos ainda.
Quando há matérias que podem ser resolvidas de forma alternativa, o cidadão ou as partes nos contratos podem escolher por conveniência de uma solução rápida e técnica, que muitas vezes permite a continuação do relacionamento de negócios. No Judiciário, as partes e os advogados entram em tal estado de beligerância, com acusações recíprocas, que acabam inviabilizando um relacionamento de negócios futuro. Na arbitragem e certamente na mediação isso acontece muito menos. Os mediadores procuram uma solução que atenda ao caso posto pelas partes com o máximo possível de justiça. Justiça quer dizer não lesar a outra parte desnecessariamente. Então, com uma decisão justa, rápida e técnica, o relacionamento das partes muitas vezes fica preservado.
A mediação, por definição, visa chegar a um acordo. É uma ferramenta útil e pode ser escolhida pelas partes sem dúvida como forma melhor de resolver conflitos imobiliários, negócios de compra e venda de empresas, relações entre acionistas… Sabemos que há partes que preferem ganhar tempo para resolver o problema, ou porque se encontram em situação financeira ruim ou por detalhes do próprio negócio. Então o Judiciário pode ser o caminho para alongar a solução. Muitas vezes esse tempo é necessário para recompor as suas finanças. A minha visão é que cada ferramenta tem uma utilidade e as pessoas precisam saber qual é a mais adequada para a sua situação.
ConJur — Quando duas empresas não se entendem sobre um contrato, o ideal seria a arbitragem? Roberto Pasqualin — Eu diria que o ideal seria até a mediação antes, porque as partes têm o contrato. Às vezes as obrigações são mal definidas quando os envolvidos brindam e tomam champanhe para comemorar o fechamento do negócio. Às vezes, na execução das obrigações, as coisas desandam um pouco, então um mediador pode mostrar como voltar ao caminho desejado desde o começo. Ou acertar um ajustamento daquela situação que atenda suficientemente as partes.
ConJur — A cláusula de arbitragem geralmente é colocada no contrato. Também é usada a cláusula de mediação? Roberto Pasqualin — Já é usada. A cláusula é um compromisso prévio de que, se surgir um conflito, os envolvidos devem seguir um caminho determinado. Mas as partes podem resolver pela arbitragem ou pela mediação mesmo sem ter a cláusula, quando surge o conflito. Você não faz um contrato pensando em ter um conflito, você faz um contrato pensando em cumpri-lo. Assim como no casamento.
ConJur — Com essas ferramentas, há uma corrente de advogados que temem perder trabalho caso as partes se entendam sozinhas… Roberto Pasqualin — É um mito achar que a arbitragem e a mediação vão reduzir o mercado dos advogados. Ao contrário, acho que até geram mais trabalho. Só que é um trabalho de forma diferente, o profissional não vai ao fórum, ao tribunal de Justiça, bater na porta de cartório para consultar processo. É um trabalho mais sofisticado, vamos chamar assim. A presença do advogado é importante para aconselhar o cliente, orientar como a questão deve ser colocada, como apresentar evidências. O advogado continua sendo chamado pela necessidade, embora sua contratação não seja obrigatória. Quem vai desassistido a uma mediação ou arbitragem provavelmente fica numa posição enfraquecida.
Outra oportunidade é o trabalho de árbitro ou mediador. Pessoas de qualquer profissão podem atuar, mas, naturalmente, a experiência de alguém que é profissional do Direito é válida. Os árbitros mais conhecidos têm vivência na advocacia ou na engenharia.
ConJur — Como o advogado pode acompanhar o processo de clientes? Roberto Pasqualin — Na arbitragem, o advogado deve ter procuração para representar a parte perante o tribunal. Todos os atos do procedimento arbitral — petição inicial, contestação, as ordens do tribunal para as partes, as perícias — têm que ser obrigatoriamente copiados aos advogados. O advogado nem precisa se deslocar para saber o que está acontecendo, ele recebe no seu escritório, por e-mail.
ConJur — Esses e-mails chegam a cada etapa? Roberto Pasqualin — A cda petição minha, sou obrigado a copiar todo mundo, os três árbitros, a secretaria da instituição arbitral, os advogados da parte contrária… Isso faz parte dos regulamentos das câmaras. Na mediação, o mediador informa às partes quando quer fazer uma reunião com os dois, quando solicita evidências. O advogado com procuração é o destinatário desses pedidos.
ConJur — Tudo por e-mail. Roberto Pasqualin — Você tem uma informalidade que o Judiciário não comporta. Pode-se até usar Skype. A lei que modernizou a arbitragem, inclusive, criou um instrumento de comunicação fantástico, que é a tal da carta arbitral. Se uma parte indica alguém para ser testemunha e essa pessoa é intimada e não comparece à audiência, o tribunal pode agora pedir que um juiz mande conduzir a testemunha a uma audiência previamente designada, se preciso até com força policial, como acontece no Judiciário. A testemunha pode chegar lá e não falar nada, mas deve ser levada até lá.
ConJur — Como uma ordem? Roberto Pasqualin — Sim. Pode servir também para um perito que não cumpre o prazo de apresentação de um laudo, pode servir para que a parte seja obrigada a apresentar documentos, como o livro de atas do conselho. Quando um tribunal arbitral envia para um juiz, vira uma comunicação oficial, com segurança e que a lei diz: “olha, o juiz tem que atender…”
ConJur — Não pode ignorar, considerar um pedido menos importante? Roberto Pasqualin — Tem que atender. Os fóruns e tribunais vão ter que criar um código, um cadastro para carta arbitral. Como o tribunal arbitral não tem poder coercitivo, a carta arbitral serve para suprir essa falta. Então é uma colaboração entre a arbitragem e o Judiciário.
ConJur — Existe algo semelhante no caso da mediação? Roberto Pasqualin — Não, a carta arbitral é um instrumento de um procedimento que necessariamente deve chegar a um julgamento. A mediação é um procedimento consensual. Se uma parte quiser deixar a mediação pode desistir sem penalidade nenhuma. Se ela não quiser entregar os documentos, acabou.
ConJur — A arbitragem é semelhante a um julgamento comum? Roberto Pasqualin — É um julgamento igual a um julgamento de juiz, só que não tem recurso.
ConJur — Nem embargo de declaração? Roberto Pasqualin — A lei original de arbitragem já permitia esse pedido de esclarecimento sobre as decisões do tribunal arbitral.
ConJur — Quando a parte pode provocar o Judiciário contra a decisão arbitral? Roberto Pasqualin — A Lei de Arbitragem traz um rol de situações em que a anulação pode ser feita. Só é possível apresentar ação quando o caso envolve procedimento equivocado, erro de processo, falta de equilíbrio entre as partes, parcialidade do juiz… Quando o projeto estava no finzinho da tramitação do Senado, conseguimos evitar que entrasse uma emenda que previa o retorno do processo ao tribunal arbitral, depois da sentença, se o tribunal não tivesse respondido a todas as questões apresentadas pelas partes. A expressão “questões” é muito ampla, muito vaga e poderia ser usada para adiar e anular decisões. No último minuto da tramitação, conseguimos mudar a expressão “questões” para “pedidos”. Então, se o tribunal não atender a todos os pedidos, o Judiciário pode mandar de volta o processo.
ConJur — Existe fiscalização de câmaras arbitrais para evitar fraudes? Roberto Pasqualin — A câmara não é um órgão de julgamento, quem julga são os árbitros. Cada vez mais começam a aparecer instituições arbitrais inidôneas, que fazem isso apenas para ganhar dinheiro, não para resolver problema. Quando a fraude é um ilícito criminal, então podemos levar isso ao Ministério Público, à Polícia Federal, tratando como um crime de falsidade ou estelionato. Quem responde não é a câmara em si, mas seus dirigentes ou árbitros. Pode-se ter a reparação civil também? Pode ser indenizado. Se foi prejudicado, sofreu dano por conta de uma atividade ilícita, você pode recorrer ao Judiciário.
ConJur — O Conima faz essa fiscalização? Roberto Pasqualin — O Conima é uma instituição sem fins lucrativos que reúne as câmaras de arbitragem e de mediação institucionalizadas. Faz parte dos princípios do Conima divulgar as boas práticas de arbitragem e de mediação e denunciar as más. Se quem atua irregularmente é filiado ao Conima, então nós temos um órgão interno de investigação e de penalização que pode até implicar na exclusão da instituição. Se quem pratica a fraude não é filiado ao Conima, o que a gente pode fazer e tem feito é denunciar isso ao Ministério Público ou à autoridade policial, porque nós não temos poder de apenar ninguém. Mas o foco do conselho é reconhecer boas práticas, fazendo auditorias e certificando instituições com uma espécie de selo para quem atua bem. Estamos tentando uma aproximação com entidades denunciadas por terceiros. Muitas vezes o problema não é fraude…
ConJur — Às vezes a instituição não sabe como fazer? Roberto Pasqualin — Por ignorância. Então nossa ouvidoria quer se aproximar de entidades que foram denunciadas e saber o que está acontecendo. Falta instrução ou é má fé mesmo? Agora, dificilmente alguém leva casos importantes a uma instituição picareta, sem estrutura. Em geral, a parte está assistida por advogado, que conhece o ramo ou, se não, procura se informar.
As câmaras de arbitragens normalmente são entidades sem fins lucrativos. O árbitro ganha dinheiro? Sim. O mediador ganha? Sim. Porque eles estão trabalhando profissionalmente, mas a câmara só cobra uma taxa de administração para manter a sala onde se fazem as audiências, bancar equipamentos, ter uma secretária para receber as comunicações…
ConJur — No ato do contrato já se determina qual câmara será escolhida ou isso pode ser feito no futuro? Roberto Pasqualin — É aquilo que nós chamamos de cláusulas compromissórias vazias ou cláusulas cheias. Cláusulas vazias não indicam a câmara, não indicam a lei, só dizem que vai ser por arbitragem. Isso pode criar uma dificuldade na hora de começar, quando as relações entre as partes já estão azedas. Por isso a gente recomenda cláusulas cheias, que determinam qual é a câmara que vai administrar o procedimento. Quando não é designada, existe um procedimento dentro da lei de arbitragem que permite que você vá ao juiz para que ele determine onde será feita a arbitragem. É mais uma ação colaborativa do Judiciário.
ConJur — O senhor comentou sobre entidades que têm surgido no setor. Esse mercado tem crescido ou as entidades que já existem estão se consolidando mais? Roberto Pasqualin — Tem crescido. O interesse pela arbitragem hoje é muito maior do que 15 anos atrás. A arbitragem está consolidada, mas apenas nos grandes centros: São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Recife. A Confederação das Associações Comerciais do Brasil [CACB] criou uma rede de câmaras de arbitragem nas associações comerciais do país inteiro. Então a arbitragem está crescendo rapidamente, as filiadas do Conima são uma parte desse universo. Eu tenho uma opinião pessoal, particular, de que a existência de um número muito grande de instituições arbitrais em uma mesma localidade acaba encarecendo o serviço. Porque quem presta o serviço na verdade são os árbitros, e você vai ver que os árbitros são mais ou menos os mesmos em todas as câmaras de arbitragem: Brasil-Estados Unidos, Brasil-Canadá, no Instituto de Engenharia, na Fiesp, na Fundação Getulio Vargas.
O ideal seria haver menos câmaras no mesmo lugar e mais alternativas regionais. Quem está em Presidente Prudente pode fazer a arbitragem em São Paulo, mas o ideal seria ter naquela região uma boa câmara de arbitragem com árbitros reconhecidos. Neste ano, o Conima fez um congresso em Goiânia, no ano passado, no Recife. Estamos levando o assunto para outros centros onde a gente imagina que, se as pessoas passarem a conhecer a mediação e a arbitragem, vão passar a praticar.
ConJur — As universidades estão prontas para isso? Roberto Pasqualin — As universidades ainda não têm posto a arbitragem na grade delas.
ConJur — Até porque você tem que ter um profissional da área para poder lecionar… Roberto Pasqualin — Isso já existe. Temos bons conhecedores da arbitragem que já são da academia, com pós-graduação, mestrado, doutorado no Brasil e na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Suíça… Gente boa mesmo e que leciona, mas a estrutura das faculdades de Direito ainda não incluiu a arbitragem. Processo Civil o estudante tem desde o primeiro ano até o quarto ou quinto ano. Que ensina o quê? Litigar, ganhar do adversário. A arbitragem ainda é uma criança no Brasil. A mediação é um bebê, está muito incipiente. Já tem bons profissionais, que conhecem e praticam, mas continua pouco conhecida. E o mediador precisa até de mais capacitação do que na arbitragem, precisa usar técnicas de levar as partes ao consenso, usar psicologia. O árbitro é receptivo, ele recebe as alegações das partes, ouve as testemunhas, examina as provas e decide. Na mediação, a interação entre o mediador e os mediandos, como a gente chama, é muito grande.
ConJur — A cláusula de confidencialidade funciona? Roberto Pasqualin — A lei não obriga isso, mas o regulamento das câmaras, sim. Há uma quebra da confidencialidade quando se procura anular a arbitragem. E aí vai para a Justiça, onde não existe, em geral, a confidencialidade. A nova legislação prevê que seja respeitado o segredo de Justiça quando o conflito arbitrado ou mediado vai parar no Judiciário.
Conjur — Isso seria automático ou cabe ao juiz analisar? Roberto Pasqualin — Toda vez que vai ao Judiciário a decisão é do juiz. Se ele não conceder, você pode recorrer.
ConJur — Os juízes estão prontos para julgar processos envolvendo arbitragem? Roberto Pasqualin — Os tribunais de Justiça, o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e o STF [Supremo Tribunal Federal] já estão bem acostumados em analisar arbitragem e já têm jurisprudência. Em primeira instância, ainda existem algumas dificuldades. Eu tive um caso, por exemplo — que é judicial, então já de conhecimento público —, em que pedimos ao juiz para indicar qual câmara deveria julgar, já que a cláusula do contrato não previa nenhuma. O juiz indicou duas câmaras, ao invés de uma.
ConJur — Mais atrapalhou do que ajudou? Roberto Pasqualin — Isso, as partes tiveram que recorrer ao tribunal. Ainda há na primeira instância um desconhecimento da prática. E há também certa resistência. Os tribunais trabalhistas…
ConJur — A lei acabou deixando de fora os conflitos trabalhistas… Roberto Pasqualin — Isso foi vetado. Os tribunais trabalhistas têm historicamente o entendimento de que o empregado é hipossuficiente por definição e que ele não tem como ser equiparado ao empregador. Por isso, a arbitragem seria danosa ao empregado e sempre favoreceria ao empregador. É um erro filosófico até.
ConJur — Mesmo porque seria só no alto escalão, segundo o projeto. Roberto Pasqualin — Na proposta de alteração da lei, seriam apenas para diretores estatutários e administradores de alto escalão. E o projeto de lei dizia que, mesmo quando existisse cláusula de arbitragem, o empregado poderia negar a arbitragem e ir à Justiça do Trabalho. Então ele ficava totalmente protegido. Poderia existir um regulamento indicando que o empregado não paga, quem paga é o empregador. Ou determinar que o sindicato pagasse, não o empregado. Vetar [esse trecho] foi um erro grosseiro, a meu ver, assim como afastar a arbitragem do direito do consumidor também. Na relação de consumo também tinha a mesma proteção, só iria para a arbitragem se o consumidor quisesse.
ConJur — No geral, o senhor avalia que as duas leis são positivas? Roberto Pasqualin — Muito positivas. Havia planos para vetar a carta arbitral, mas o Conima e outras instituições foram lá na Casa Civil mostrar que é uma ferramenta tão útil que já está no Código de Processo Civil, inclusive. A proposta nasceu de uma conjunção, começou quando uma portaria do [presidente do Senado] Renan Calheiros criou uma comissão de juristas, dirigida pelo ministro [do STJ] Luis Felipe Salomão. O anteprojeto elaborado pelo grupo virou um projeto de lei encaminhado ao Senado. Ao mesmo tempo, a Secretaria de Reforma do Judiciário [vinculada ao Ministério da Justiça] criou uma comissão de especialistas e também propôs um texto. E a Advocacia-Geral da União, que já tem uma câmara para solucionar conflitos entre os órgãos da Administração Pública federal, também apresentou um anteprojeto para regular essas questões entre os órgãos. Então foram criados três projetos tratando mais ou menos do mesmo assunto, além do novo Código de Processo Civil, que já estava avançando nisso. O que aconteceu? Na Câmara dos Deputados foi feito um substitutivo juntando as partes boas desses três projetos. A lei de mediação poderia ser mais completa? Poderia, mas do jeito que está já é um grande avanço, vai incentivar a prática cada vez mais.
ConJur — Os juizados especiais nasceram com a proposta de agilizar tudo, mas nem sempre as decisões saem rapidamente. Como não acontecer o mesmo na mediação? Roberto Pasqualin — Na mediação judicial, esse cenário pode até acontecer. A lei exige uma capacitação dos mediadores judiciais com dois anos de formação, então você pode chegar ao Judiciário e não ter mediadores suficientes. Hoje já se pratica a mediação judicial, só que os mediadores são voluntários, eles não recebem nada. Para se tornar uma política pública, é preciso se estruturar.
ConJur — Com o sigilo, não fica faltando uma jurisprudência da arbitragem? Roberto Pasqualin — Isso começa com as decisões do Judiciário a respeito de patologias de arbitragem, porque a jurisprudência sempre vai tratar das patologias. O Conima está apoiando a criação de um banco de decisões sem o nome das partes ou informações de circunstâncias que permitam identificá-las. Se a parte autorizar, não há problema de você divulgar. Ter acesso a decisões pode servir como uma orientação geral. Em arbitragens de casos complexos, existem estudos jurídicos ótimos, pareceres que são usados como elementos de defesa para um argumento ou para outro. Esse trabalho está sendo feito pela Câmara de Arbitragem do Instituto dos Advogados de São Paulo.
ConJur — Como resolver o impasse da arbitragem quando uma das partes não tem dinheiro para pagar? Roberto Pasqualin — A arbitragem é suspensa e acaba arquivada. Nos Estados Unidos, já existem mecanismos de financiamento das partes. Você financia a parte e cobra uma remuneração pelo financiamento, empréstimo ou o que seja. Existem instituições lá que entram como investidores na arbitragem. Se uma causa é boa e o sujeito não tem como custear a arbitragem, entra alguém que dá o dinheiro necessário em troca de 30% do que a parte ganhar, por exemplo. Deveríamos ter mecanismos para resolver isso. Ou financiamento público, como você tem na Justiça gratuita. A legislação não enfrentou essa questão.
O segundo ponto que deveríamos avançar é permitir a arbitragem para questões tributárias. Hoje mais de 50% dos casos são casos no Judiciário têm envolvida a Administração Pública. Se a alíquota máxima do ITCMD [imposto pago por quem recebe herança] foi fixada em 5% pelo Senado, o Fisco estadual não pode cobrar 7%. Discutir isso é uma questão de Direito, não é questão de fato. Por que um tema como esse não pode ser resolvido por um árbitro ou por um tribunal de três ou cinco árbitros?
Teríamos que quebrar muitos tabus, muitas resistências, mas seria importante incluir, essa é a hora de a gente fazer isso. Como acabou o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que tem passado por mudanças desde que virou alvo de operação zelotes, da Polícia Federal], poderíamos criar outro mecanismo.
Por Felipe Luchete, repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 26 de julho de 2015, 9h26
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